quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Lembro-me do dia em que ele apareceu com ela.
Ou de antes, quando dela ele falou .
É...havia brilho em seus olhos.Estávamos, no mínimo, empatadas!
Ela era a novidade da vida dele.Era o supra-sumo da emoção.E tocá-la era pura sensação!Pegar na umidade necessária para ir e vir.
Hora com movimentos
suaves e lentos.
Hora movimentos
rápidos e ainda suaves.
Tanta era a delicadeza com que ele a tratava.
E de olhar pra ela enquanto tocava, ele não cessava...
Eu, ao lado, via todo o cinema romântico .E por que não dizer transcendental.Ou ainda musical.Ah...com certeza um musical!
Eles estavam se afinando e eu destoante de toda a cena.Distante dele eu detectava seus olhos nos olhos dela..
Se é que ela tinha olhos!
Sse é que já não era ela o próprio olhar.
Ela o encantava, eu percebia.
E ele não cansava de estar com ela, tocando e repetindo movimentos – aqueles mesmos movimentos .Movimentos desconhecidos por mim, que o acompanhei por um certo tempo antes de ele conhecê-la.
Pois, quando era ela, era só ela.
E uma especialidade...
As mãos, assim como os pensamentos, pousavam sobre ela sem desvio, nem vôo.
Em mim?
Não.
Só nela!
Por ela ele perderia a hora...
Perderia até o ritmo.
E até se perderia, mas sem perdê-la de vista, toque e tudo o mais.
E de mim? Aiai... Cadê mim?!
Maldita cuíca!
Vai e vem. [Toca] Contínuo. [Toca] Vai ser contínuo ou vai e vem?
Marina, toca por favor?
Marina toca sem saber ao certo como, hora recomeçando... Hora contínuo.
Sempre acelerado.
Sempre divertidamente.
Marcos a observa. Todos observam a observação de Marcos.
Marina veste branco. Marcos azul.
Marina levanta-se, ainda no mesmo lugar e dança.
Marcos observa Marina tocar.
Marina dança flutuante e o seu vestido varre o chão. Marina não pára de tocar.
Agora, Marina senta-se cansada. Seus dedos tocam seus dedos e ela os olha.Os dedos de Marina não param de tocar.
Marcos fecha os olhos para melhor ouvir.
Marina tem cabelos longos e em ondas...
Marcos tem o queixo apoiado sobre uma mão fechada. O cotovelo apoiado sobre o outro braço e este apoiado sobre a razoável protuberância coberta por uma roupa composta de blusa e colete em duas tonalidades do azul. [Marcos veste azul]
Marcos prossegue com as cadeiras na cadeira vendo Marina tocar.
Marina prossegue dinâmica quase sem perceber que Marcos a observa. Ela quase não o nota.
À medida que os acontecimentos acontecem todos aparecem. [Todos vestem preto e as paredes são brancas, como o vestido de Marina].Eles e ela, todos, estão unicamente quando há o diálogo.Marcos pedindo a Marina para tocar, para parar de tocar, para tocar...
Rogam por toda a minha hipocrisia.
Incompatibilidade entre sentido e o dito.
Não se olham e não me vêem.
Aliás,
enxergam somente tudo.
Isso ,
realmente ,
não é bom.
Ainda mais, quando tudo não é tudo.
Querem que eu diga verde quando nem é lilás e eu:
-Não digo!
Querem que diga preto e eu:
-Digo nenhuma cor e preto também não!Também não!
Não digo!
Vocábulos, ações, silêncios, sons
Transmitem-me e me revelam
Como os tons
De lá e de cá
Do meu vestiário e cenário
Que montei para eu ser eu
Para eu ser
Bailarina, atriz, figura
Observadora, displicente, acústica
Fada, borboleta ou bruxa

Ouço o vento
E o tempo passa lento enquanto
Outros tons ...ons ...ons ...
É que passam a me transforevelar
Afinal, muda tudo
E a estabilidade que talvez busque
É o que talvez menos me agrada

Todos os traços palavrísticos
Acionísticos
Silenciares
Sonantes
Se dissonam
Para chegar até o desconhecido abismo dos próximos eles.


18.05.2006 *reconfigurado 28.08.2008